segunda-feira, 21 de junho de 2010

Nova condenação do SPC por manter sistema oculto de pontuação de consumidores.

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A juíza Jane Maria Kohler Vidal, da 3ª Vara Cível de Porto Alegre, condenou a CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) de Porto Alegre, responsável pelo SPC no Rio Grande do Sul, a pagar indenização de R$ 2.000,00 à consumidora por manter um sistema oculto de pontuação dos consumidores que não tem cadastros negativos, denominado SPC CREDISCORE, que fornece somente às empresas, quando da consulta ao CPF do consumidor, uma pontuação de 0 a 100 correspondente a “taxa de risco” de vender àquele consumidor, sendo que quanto menor a pontuação fornecida pelo SPC maior seria a probabilidade do consumidor não pagar as dívidas.

O juiz Mauro Caum Gonçalves, no processo 1.09.0233781-9, já havia condenado o SPC ao pagamento de indenização no valor de R$ 20.000,00 a uma consumidora pois entendeu que o sistema de pontuação SPC CREDISCORE seria ilegal, pois com ele o SPC acaba por induzir as empresas a não fornecer crédito àqueles consumidores que, embora estejam “limpos” nos cadastros de restrição ao crédito, possuem pontuação considerada insatisfatória pelo SPC.

A referida “pontuação” não é divulgada à sociedade, tampouco ao próprio consumidor, sendo mantida secreta por cláusulas do contrato mantido entre o SPC e as empresas, conforme as cláusulas do mesmo, que foi juntado no processo, transcritas abaixo:

A cláusula 6ª tem três comandos.

a) `Por tratar-se de um serviço em fase de teste, a contratante não poderá, em hipótese alguma, fornecer, seja qual for a forma, ao próprio consumidor ou a terceiros as informações obtidas através de consulta ao SPC Crediscore`.

b) `Também é totalmente vedado à contratante informar, seja qual for a forma e a quem quer que seja, a existência, o resultado da consulta e a utilização do SPC Crediscore, bem como a celebração do presente instrumento`

c ) `Os documentos e formulários relativos ao SPC ´Crediscore´ e as suas cópias que a contratante tiver acesso em razão deste instrumento não poderão ser entregues a terceiros ou ao próprio consumidor consultado`.

A juíza Jane Maria Kohler Vidal entendeu que é direito dos consumidores terem ciência prévia sobre a abertura do referido sistema de pontuação, bem como quais são os dados utilizados e a pontuação fornecida na consulta para que este possa contestar o cadastro para corrigir eventual distorção ou inconsistência no mesmo.

Da referida decisão cabe recurso de apelação.

* Atuou em nome da autora o advogado Lisandro Moraes, OAB/RS 43.547 – e-mail: lisandro@moraesemoraes.com.br


Leia a integra da decisão:

Comarca de Porto Alegre
3ª Vara Cível do Foro Central
Rua Márcio Veras Vidor (antiga Rua Celeste Gobato), 10
______________________________________________________

Nº de Ordem:

Processo nº: 001/1.09.0317669-0
(CNJ:.3176691-38.2009.8.21.0001)

Natureza: Ordinária - Outros

Autor: Elenir Dutra de Campos

Réu: CDL - Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre

Juiz Prolator: Juíza de Direito - Dra. Jane Maria Kohler Vidal

Data: 17/05/2010

1.0) RELATÓRIO

ELENIR DUTRA DE CAMPOS, qualificada na inicial, ajuizou ação contra CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE, igualmente qualificada, alegando ter sido impedida de obter crédito em inúmeros estabelecimentos comerciais, em razão da pontuação mantida junto aos órgãos de restrição ao crédito. Disse que jamais recebeu qualquer comunicação acerca da abertura e divulgação das informações constantes no denominado cadastro Crediscore, que é criado e administrado pelo CDL – Porto Alegre. Assinalou, por fim, que o prejuízo que tivera por conta da conduta do requerido é evidente, merecendo, em decorrência disso, a devida reparação. Ao final, pugnou pela procedência do feito. Juntou documentos (fls. 08/38).

Indeferida a antecipação dos efeitos da tutela, porém concedido o benefício da AJG ao autor (fl. 39).

Regularmente citado, o requerido apresentou contestação, alegando que o crediscore não vincula a decisão do usuário ao resultado da análise do perfil do candidato ao crédito, cuja decisão é única e exclusivamente do comerciante. Disse não estar praticando nada de errado, apontando, ao final, a inexistência dos pressupostos ensejadores da sua responsabilização pelo pagamento de indenização por danos morais. Juntou documentos (fls. 54/78).

Houve réplica (fls. 80/94).

Instadas sobre o interesse na produção de outras provas, somente o CDL se manifestou, requerendo o julgamento antecipado da lide (fl. 113).
É o breve relato.

Passo a fundamentar a decisão.

2.0) DISPOSITIVO

Além de desnecessária a colheita de prova oral, as partes não manifestaram interesse na dilação probatória, razão por que conheço diretamente do pedido e passo a proferir julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330, I, do Código de Processo Civil.

A manutenção, pela ré, da denominada ferramente Crediscore é fato incontroverso nos autos, aplicando-se, no ponto, o disposto no artigo 334, III, do Código de Processo Civil. O debate levantado nestes autos refere-se, em verdade, à legalidade e aos supostos prejuízos decorrentes da manutenção de tais listas ao consumidor.

Pois bem.

A pretensão articulada na exordial merece acolhida.

Muito embora o fato de a requerida manter ferramenta identificando os clientes não se mostre ilegal, tratando-se, em verdade, de instrumento perfeitamente válido, as formalidades para a abertura do cadastro não foram observadas na hipótese dos autos.

Com efeito, o artigo 43, §2, do Código de Defesa do Consumidor é categórico ao dispor que a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais do consumo deverá ser comunicado por escrito ao consumidor.

Isso, por si só, já é razão bastante a determinar que o arquivista, quando da abertura de algum registro em nome do consumidor, seja positivo ou negativo, proceda na comunicação de tal fato ao maior interessado, qual seja, ao próprio consumidor, para que este, aliás, em sendo o caso, possa corrigir eventual distorção ou inconsistência no cadastro.

No caso em tela, malgrado não se trate propriamente de um aponte negativo, o registro mantido pelo CDL estabelece o grau de inadimplência do consumidor, norteando, sem dúvida, as atividades comerciais. É dizer, embora não conste como devedor, a ficha guarda dados do cidadão, que, nos termos do artigo 43, § 2, tem direito de conhecê-los previamente.

No particular, por deveras esclarecedoras, convém colacionar as lições da Promotora de Justiça Têmis Limberger, que, em sua obra “O direito à intimidade na era da informática”, aborda a questão com muita propriedade.
Senão, vejamos:

Com relação ao banco de dados, a proteção aos consumidores é assegurada de uma forma ampla Assim, são protegidas tanto os dados positivos quanto os negativos. O CDC, em seu art. 43, refere-se amplamente aos bancos de dados e cadastros de Consumidores. Não há restrição a positivos ou negativos. Da mesma forma, o art. 43, § 2º, quando estatui a notificação específica referente à comunicação ao consumidor por escrito, não faz essa distinção quando a informação não foi solicitada por este. Além disso, o § 3º do referido artigo , quando menciona a retificação, trata genericamente dos dados. O único dispositivo que menciona “informações negativas” é a última parte do § 1º, art. 43. do CDC, no tocante ao prazo em que as informações podem ser guardadas, que é de cinco anos.
Ressalva-se que a 1a parte do art. 43, §1, não especifica a qualidade das informações, assim, todos os cadastros e dados devem ser objetivos e de fácil compreensão. O consumidor tem o direito de ser informado sobre todos os cadastros dos quais faz parte (art. 43, § 2, do CDC). Não há de se falar em benefício, pois as informações podem estar incorretas e, devido a isso, pode não haver fornecimento do crédito ou deixar-se de concedê-lo a taxa mais baixa1.

Logo, tendo em conta a ausência de comunicação do autor em relação à abertura de cadastro no banco de dados do réu, afigura-se imperiosa a responsabilização de quem omitiu-se, quando, em face de expressa previsão legal, deveria agir.
Neste prisma, aliás, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, o qual considera imprescindível a comunicação do devedor antes da realização de registro nos órgãos de proteção ao crédito:

Consumidor. Recurso especial. Ação de indenização por danos morais e materiais. Embargos de declaração. Registros de proteção ao crédito. Inscrição.
Necessidade de prévia comunicação ao consumidor. Ausência. Ilegalidade da inscrição. Legitimidade passiva dos órgãos responsáveis pela manutenção do registro. Art. 43, § 2.º, do Código de Defesa do Consumidor. - Os requisitos legais previstos no § 2.º, do art. 43, do CDC devem ser cumpridos para se garantir a aptidão, a procedibilidade da inscrição. - Apenas os órgãos responsáveis pela manutenção dos registros de proteção ao crédito é que têm legitimidade passiva ad causam para a demanda que visa à exclusão do nome do consumidor dos referidos registros e tem como causa de pedir a ilegalidade da inscrição, por descumprimento da obrigação prevista no § 2.º, do art. 43, do CDC. Recurso especial conhecido e provido.(Resp. 821000/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, DJ 25/09/2006)

Fixadas tais diretrizes, e reconhecido o dever de reparação dos prejuízos causados à autora, impõe-se a análise do quantum debeatur incidente na hipótese.
Primeiramente, no que concerne ao valor da indenização, deve-se ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro.

Neste particular, são os ensinamentos do professor e desembargador carioca Sérgio Cavalieri Filho:

“Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstância mais que se fizerem presentes”2.

Em suma, a quantia arbitrada pelo magistrado a título de danos morais deve ter um caráter punitivo e satisfativo, na medida em que seja capaz de amenizar a amargura da ofensa sofrida pela vítima.

Como esclareceu a eminente Desembargadora Liége Puricelli Pires no julgamento da apelação Nº 70021808118, “ a sanção deve atingir sua dupla finalidade: a retributiva e a preventiva. Justamente por isso, a quantificação deve ser fundada, principalmente, na capacidade econômica do ofensor, de molde a efetivamente castigá-lo pelo ilícito praticado e inibi-lo de repetir o comportamento anti-social, bem como de prevenir a prática da conduta lesiva por parte de qualquer membro da coletividade. De outra parte, a jurisprudência recomenda, ainda, a análise da condição social da vítima; da gravidade, natureza e repercussão da ofensa; da culpa do ofensor e da contribuição da vítima ao evento, à mensuração do dano e de sua reparação”.

No caso em liça, entendo que mostra-se razoável e prudente a fixação de indenização, para o caso, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais reais), de sorte que tal monta é capaz de punir o responsável pela lesão e satisfazer a vítima, sem enriquecimento ilícito, observando, ainda, a extensão do dano.

3.0 – DISPOSITIVO

Em face do exposto, julgo PROCEDENTE o pedido de ELENIR DUTRA DE CAMPOS, nos autos da ação de reparação de danos ajuizada em detrimento de CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS, para o fim de determinar a exclusão do cadastro em desfavor da autora e condenar a demandada ao pagamento de indenização, por dano moral, em valor equivalente a R$ 2.000,00 (dois mil reais), corrigidos pelo IGP-M desde a data da prolação desta sentença, e acrescido de juros de mora de 12% ao ano, a contar da presente data, na esteira de decisão semelhante da Corte Gaúcha3.

Considerando que sucumbente, condeno a ré ao pagamento das custas e honorários advocatícios, os quais vão arbitrados em 20% sobre o valor da causa, forte nos artigos 20, § 3, do Código de Processo Civil.

Cientifiquem-se as partes que, em não havendo pagamento no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado da presente decisão, haverá incidência, sobre o total da condenação, de multa correspondente a 10%, nos termos do artigo 475-J do Código de Processo Civil.

Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Porto Alegre, 17 de maio de 2010.

Jane Maria Kohler Vidal,
Juíza de Direito


1 - Limberger, Têmis. O direito à intimidade na era da Informática. A necessidade de proteção dos dados pessoais. Porto Alegre, Editora Livraria do Advogado, 2007, pg. 200.

2 - CAVALIERI FILHO, SÉRGIO. Programa de Responsabilidade Civil. 6ed. Editora Malheiros, São Paulo/SP, 2005, pg. 116.

3 - Apelação Cível, nº 70030285670 , Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 02/09/2009.

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