Não foi à toa que o Banco Central e o Ministério da Justiça baixaram medidas para conter os abusos cometidos pelas administradoras de cartões de crédito. Além de juros exorbitantes no rotativo, quem usa o instrumento para sacar na função crédito está condenado a encargos que podem chegar a 898% ao ano, sem contar uma pesada tarifa por operação. Isso significa que cada retirada de R$ 10 custa quase R$ 100 ao ano para o cliente. Com uma cobrança tão exagerada, o calote do segmento é o mais alto entre todas as modalidades de empréstimo, atingindo 36,33% em setembro. A inadimplência média das pessoas físicas é 6% ao mês.
As medidas do governo, porém, não obrigam as operadoras a baixar o custo das transações. A despeito de limitar o número de tarifas a cinco, mais uma vez não se vai garantir o objetivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: evitar o superendividamento da população, em especial da nova classe C. “É um caso seríssimo. Com a nova norma, a situação fica até mais grave porque a cobrança de tarifa está autorizada”, reclama a economista-chefe do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim. “As novas regras também não contemplam a questão dos juros porque, segundo o BC, eles estão vinculados às taxas de mercado”, explica.
O Correio comparou as taxas de saque no cartão de crédito operado por dois bancos. No Bradesco, um cliente que já tinha ultrapassado o limite do seu orçamento, sem mais opções para recorrer, fez uma retirada de R$ 30. O comprovante da instituição financeira informa que o consumidor pagou R$ 2 de tarifa pela retirada e mais 21,14% ao mês sobre o dinheiro liberado pelo plástico. No ano, o custo total ficou em 898,28%.
Código
No Banco do Brasil, o Ourocard Universitário, que tem tarifas mais baratas que outras opções da instituição, cobra 400,16% ao ano. O comprovante de saque do cartão de crédito do BB não informa ao cliente a tarifa ou os juros pagos na operação, o que contraria os termos do Código de Defesa do Consumidor, segundo o Idec. Dá apenas o valor do saque. Na tela do terminal eletrônico, antes da retirada do dinheiro, uma mensagem informa apenas que uma tarifa de R$ 6,50 será cobrada na fatura do cartão de crédito.
“Se o consumidor fez um saque no cartão (de crédito), está entendido que é uma operação de crédito. A partir do momento que ele utiliza esse recurso, precisa ser informado de todos os custos. O BB está descumprindo a norma do BC”, constata Ione.
Segundo Luiz Rabi, gerente de indicadores da Serasa Experian, mesmo com a inadimplência alta, encargos tão pesados não se justificam. “Há um abismo entre o que os cartões cobram de juros do consumidor e o tamanho da inadimplência”, avalia. “O problema do cartão é que ele é um crédito pré-aprovado e não tem garantia nenhuma. Como a inadimplência ainda é alta, as administradoras têm argumentos para manter as taxas elevadas.”
JUSTIFICATIVAS
Em nota enviada ao Correio, o Bradesco informou que o custo do saque está vinculado diretamente ao valor da operação. “Quando o valor é relativamente baixo, pode ocorrer, consequentemente, um aumento significativo do valor do custo efetivo total”, disse a instituição. O Banco do Brasil justificou o fato de não informar, no comprovante, o custo para os clientes, como manda o Código de Defesa do Consumidor. “As informações das taxas de juros sobre as transações de saques estão presentes nas faturas mensais enviadas aos clientes periodicamente”, garantiu em nota. O BB afirmou que está desenvolvendo telas informativas para os terminais eletrônicos. Assim, quando o consumidor realizar uma retirada no cartão de crédito, receberá todas as informações de custo antes de pegar o dinheiro.
Anuidade deve subir
>>Vânia Cristino
Os consumidores devem ficar atentos a qualquer tentativa de aumento da anuidade por parte dos bancos emissores dos cartões de crédito e débito, assim como dos juros cobrados nos financiamentos quando o cliente não paga a fatura à vista. Embora reconheça um avanço na regulamentação feita pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para o setor, os órgãos de defesa do consumidor, entre eles a Proteste, consideram as novas normas insuficientes.
“Tudo vai depender de uma fiscalização rígida do setor por parte do Banco Central e dos órgãos de defesa do consumidor em relação à cobrança de juros abusivos e à falta de informação adequada”, observou a Proteste em nota. De acordo com a entidade, todo cuidado é pouco em relação à anuidade. Hoje existem cartões sem anuidade, mas os consumidores pagam diversas outras taxas que, na maioria das vezes, não são informadas.
Para a Proteste, a redução do número de tarifas pode gerar um aumento no valor da anuidade. “Os operadores do setor não têm interesse em diminuir os custos para o consumidor”, alegou. A entidade está convencida de que os bancos emissores jogarão na anuidade pelo menos parte das tarifas que não poderão mais ser cobradas.
Padronização
O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), Paulo Rogério Caffarelli, discorda. Ele acredita que não haverá aumento nas despesas para o consumidor. “A padronização das tarifas, que passarão a ser comparáveis, acirrará a competitividade entre os bancos. A tendência é do preço cair ou, no máximo, permanecer como está”, assegurou.
Segundo ele, a anuidade a custo zero não corre o risco de acabar. Na sua avaliação, se o banco emissor concordou em dar o benefício para o cliente é porque interessa a ambas as partes. Mesmo com a quantidade de tarifas que podem ser cobradas tendo ficado abaixo do esperado pela associação — o CMN reduziu para apenas cinco, enquanto a Abecs defendia algo em torno de 15 —, Caffarelli defendeu a medida. “É um salto de qualidade no relacionamento entre a indústria e os consumidores”, disse.
O presidente da Abecs lembrou que muitas das decisões do CMN já tinham sido em compromisso com o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça. Entre eles, está a proibição do envio do cartão para a casa do cliente sem autorização prévia e o de informar corretamente, e com destaque, os juros cobrados no crédito rotativo, uma antiga demanda dos usuários de cartão. A falta de informação clara na fatura do cartão, segundo a Proteste, induz o consumidor a erro, levando-o a assumir um financiamento com taxas de juros absurdamente elevadas.
BOLA DE NEVE
Com juros de 898% ao ano, o cartão de crédito torna-se quase impagável quando o cliente deixa de quitar o valor total da fatura. Se a dívida é de R$ 1 mil, a operadora permite que o consumidor arque apenas com 10% desse total para não ficar inadimplente. Nesse caso, sobra uma conta de R$ 900 para o mês seguinte. Como os juros são, em média, de 13% ao mês, na próxima fatura o cliente passa a dever R$ 1.017. A dica de especialistas para os que se enrolam nessa bola de neve é pegar um empréstimo com custo mais baixo, a exemplo do consignado, e quitar a dívida antiga. Além de uma taxa bem mais baixa nessa modalidade, a dívida para de crescer.
As medidas do governo, porém, não obrigam as operadoras a baixar o custo das transações. A despeito de limitar o número de tarifas a cinco, mais uma vez não se vai garantir o objetivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: evitar o superendividamento da população, em especial da nova classe C. “É um caso seríssimo. Com a nova norma, a situação fica até mais grave porque a cobrança de tarifa está autorizada”, reclama a economista-chefe do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim. “As novas regras também não contemplam a questão dos juros porque, segundo o BC, eles estão vinculados às taxas de mercado”, explica.
O Correio comparou as taxas de saque no cartão de crédito operado por dois bancos. No Bradesco, um cliente que já tinha ultrapassado o limite do seu orçamento, sem mais opções para recorrer, fez uma retirada de R$ 30. O comprovante da instituição financeira informa que o consumidor pagou R$ 2 de tarifa pela retirada e mais 21,14% ao mês sobre o dinheiro liberado pelo plástico. No ano, o custo total ficou em 898,28%.
Código
No Banco do Brasil, o Ourocard Universitário, que tem tarifas mais baratas que outras opções da instituição, cobra 400,16% ao ano. O comprovante de saque do cartão de crédito do BB não informa ao cliente a tarifa ou os juros pagos na operação, o que contraria os termos do Código de Defesa do Consumidor, segundo o Idec. Dá apenas o valor do saque. Na tela do terminal eletrônico, antes da retirada do dinheiro, uma mensagem informa apenas que uma tarifa de R$ 6,50 será cobrada na fatura do cartão de crédito.
“Se o consumidor fez um saque no cartão (de crédito), está entendido que é uma operação de crédito. A partir do momento que ele utiliza esse recurso, precisa ser informado de todos os custos. O BB está descumprindo a norma do BC”, constata Ione.
Segundo Luiz Rabi, gerente de indicadores da Serasa Experian, mesmo com a inadimplência alta, encargos tão pesados não se justificam. “Há um abismo entre o que os cartões cobram de juros do consumidor e o tamanho da inadimplência”, avalia. “O problema do cartão é que ele é um crédito pré-aprovado e não tem garantia nenhuma. Como a inadimplência ainda é alta, as administradoras têm argumentos para manter as taxas elevadas.”
JUSTIFICATIVAS
Em nota enviada ao Correio, o Bradesco informou que o custo do saque está vinculado diretamente ao valor da operação. “Quando o valor é relativamente baixo, pode ocorrer, consequentemente, um aumento significativo do valor do custo efetivo total”, disse a instituição. O Banco do Brasil justificou o fato de não informar, no comprovante, o custo para os clientes, como manda o Código de Defesa do Consumidor. “As informações das taxas de juros sobre as transações de saques estão presentes nas faturas mensais enviadas aos clientes periodicamente”, garantiu em nota. O BB afirmou que está desenvolvendo telas informativas para os terminais eletrônicos. Assim, quando o consumidor realizar uma retirada no cartão de crédito, receberá todas as informações de custo antes de pegar o dinheiro.
Anuidade deve subir
>>Vânia Cristino
Os consumidores devem ficar atentos a qualquer tentativa de aumento da anuidade por parte dos bancos emissores dos cartões de crédito e débito, assim como dos juros cobrados nos financiamentos quando o cliente não paga a fatura à vista. Embora reconheça um avanço na regulamentação feita pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para o setor, os órgãos de defesa do consumidor, entre eles a Proteste, consideram as novas normas insuficientes.
“Tudo vai depender de uma fiscalização rígida do setor por parte do Banco Central e dos órgãos de defesa do consumidor em relação à cobrança de juros abusivos e à falta de informação adequada”, observou a Proteste em nota. De acordo com a entidade, todo cuidado é pouco em relação à anuidade. Hoje existem cartões sem anuidade, mas os consumidores pagam diversas outras taxas que, na maioria das vezes, não são informadas.
Para a Proteste, a redução do número de tarifas pode gerar um aumento no valor da anuidade. “Os operadores do setor não têm interesse em diminuir os custos para o consumidor”, alegou. A entidade está convencida de que os bancos emissores jogarão na anuidade pelo menos parte das tarifas que não poderão mais ser cobradas.
Padronização
O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), Paulo Rogério Caffarelli, discorda. Ele acredita que não haverá aumento nas despesas para o consumidor. “A padronização das tarifas, que passarão a ser comparáveis, acirrará a competitividade entre os bancos. A tendência é do preço cair ou, no máximo, permanecer como está”, assegurou.
Segundo ele, a anuidade a custo zero não corre o risco de acabar. Na sua avaliação, se o banco emissor concordou em dar o benefício para o cliente é porque interessa a ambas as partes. Mesmo com a quantidade de tarifas que podem ser cobradas tendo ficado abaixo do esperado pela associação — o CMN reduziu para apenas cinco, enquanto a Abecs defendia algo em torno de 15 —, Caffarelli defendeu a medida. “É um salto de qualidade no relacionamento entre a indústria e os consumidores”, disse.
O presidente da Abecs lembrou que muitas das decisões do CMN já tinham sido em compromisso com o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça. Entre eles, está a proibição do envio do cartão para a casa do cliente sem autorização prévia e o de informar corretamente, e com destaque, os juros cobrados no crédito rotativo, uma antiga demanda dos usuários de cartão. A falta de informação clara na fatura do cartão, segundo a Proteste, induz o consumidor a erro, levando-o a assumir um financiamento com taxas de juros absurdamente elevadas.
BOLA DE NEVE
Com juros de 898% ao ano, o cartão de crédito torna-se quase impagável quando o cliente deixa de quitar o valor total da fatura. Se a dívida é de R$ 1 mil, a operadora permite que o consumidor arque apenas com 10% desse total para não ficar inadimplente. Nesse caso, sobra uma conta de R$ 900 para o mês seguinte. Como os juros são, em média, de 13% ao mês, na próxima fatura o cliente passa a dever R$ 1.017. A dica de especialistas para os que se enrolam nessa bola de neve é pegar um empréstimo com custo mais baixo, a exemplo do consignado, e quitar a dívida antiga. Além de uma taxa bem mais baixa nessa modalidade, a dívida para de crescer.