Cantora lança terceiro álbum de inéditas em agosto e adianta para o Estado quatro músicas da obra, calcada nos anos 60 e 70
As músicas pesadas ficam. As baladas ganham cores e texturas diversas, enquanto um sabor psicodélico atiça os neurônios. Aos 31 anos, a baiana Pitty decidiu mergulhar no passado para atualizar o futuro. Em agosto, quando desvendará por inteiro seu terceiro disco de inéditas - ainda em produção no estúdio/casa do baterista e ex-namorado Duda Machado -, a cantora testará mais uma vez a popularidade com seu público.
Desde janeiro deste ano, a rotina do maior nome feminino do rock nacional é a mesma. Shows no fim de semana e 12 horas diárias de experimentos, rabiscos e discussões durante a semana no aconchegante espaço no centro de São Paulo que a cantora chama de ?factory?. "Enquanto gravo uma voz, o Martin (guitarrista) cozinha, o Spencer (videodesigner) alimenta e edita nosso site, alguém pinta uma tela. Montamos um espaço criativo onde as ideias são fomentadas a todo momento", fala Pitty, enquanto bate as cinzas de mais um cigarro.
Cantora e banda ficaram quatro anos sem gravar um álbum de inéditas. Para voltar a escrever, Pitty tirou o pó dos inúmeros cadernos de anotação espalhados pelos cantos e juntou a eles um dicionário, livros de filosofia, psicologia e história da arte. "Tive um bloqueio no início, fiquei angustiada. Não me conformava em fazer o mesmo ou pior. Tinha de ser tudo muito melhor", comenta.
Os assuntos escolhidos para a nova empreitada não diferem muito daqueles já apresentados em seus dois primeiros álbuns de estúdio (Admirável Chip Novo de 2003, e Anacrônico de 2005). Segundo ela, "uma investigação sobre o ser humano como um todo".
Musicalmente, entretanto, o disco (ainda sem nome definido) apostará na infusão de músicas "para dançar", baladas psicodélicas com suspiros de Portishead e Velvet Underground, experimentalismo e o peso habitual de suas composições passadas. "Escutei muitas coisas dos selos Motown, Stax, viciei na obra do (produtor) Phil Spector. Existe peso e leveza. É o disco mais psicodélico que a gente fez na vida. Não esperava que fôssemos para esse lado", explica, enquanto escuta ao fundo músicas refrescantes de Otis Redding e Sam Cookie. Pitty ainda cita uma ária de Carmem, de Bizet, que inspirou Água Parada, e uma frase de Marcel Proust na canção Medo. "Vamos brincar com tudo. Gravei chuva, maracas, sinos, guizo, palmas, uma voz debaixo da goiabeira."
Para quem a conhece de outros tempos, Pitty parece muito mais relaxada e certa daquilo que está fazendo. Uma atitude que justifica essa mudança é o ensaio sensual que publicou recentemente em seu site (www.pitty.com.br), onde posa de pin-up. "Minha prioridade era mostrar o som e a banda. Agora que isso já está estabelecido, é claro que dá para relaxar mais e usufruir a feminilidade. Amo arte erótica, mas aqui (no Brasil) as pessoas costumam só olhar se o peito está em pé ou se a barriga está boa. Tento canalizar esse tipo de trabalho para lugares nos quais as pessoas encaram como uma forma artística."
O relaxamento também vem inserido no discurso quanto ao direcionamento do novo disco em relação ao trabalho anterior, que não causou o mesmo impacto que sua estreia. "O fato de o segundo disco não ter sido aceito tão facilmente não reflete em nada agora. O Anacrônico foi o pulo do gato e é um disco infinitamente superior. Se tivéssemos lançado um outro Chip Novo, estaríamos em um mesmo patamar, dançando a mesma dança", aponta a cantora, que pede insistentemente que sua banda entre na conversa. O guitarrista Martin brinca: "Mas você está falando tão bonito."
Na tocaia, quando o assunto são as críticas da imprensa escrita, Pitty dispara e ainda "dedica" a música Me Adora (leia nesta página) para parte dos jornalistas: "Existe muita desconfiança com o novo, mas eu já estava ?caceteada? com tudo que havia passado em Salvador. Tem jornalista que só gosta de hype, jornalista que quer ser estrela. Estou acostumada."
Quando questionada sobre os formatos utilizados para o futuro lançamento, a baiana, que hoje namora o baterista do NX Zero, Daniel Weskler, agita-se ao falar do vinil. Além de ganhar a plataforma "anacrônica" pela primeira vez, o CD será disponibilizado também digitalmente e para celulares. Nas shows recentes, quatro músicas têm sido apresentadas para o público: Medo, Água Parada, Rato na Roda e Pra Onde Ir. "É uma forma de testar e decidir quais devem entram no novo álbum", diz Martin, quebrando o silêncio.
Da turma do novo rock feito no País, Pitty não enxerga similaridade sonora em nenhum outro artista, novo ou velho. "Não fazemos parte de nenhuma cena. Viemos de Salvador, onde o rock é algo muito fragmentado." A cantora, porém, vê na solidão uma forma de congraçamento com os outros nomes que chegaram a São Paulo na mesma época e situação. "Cachorro Grande, Dead Fish, Nação Zumbi e Cascadura são a nossa turma", argumenta.
Se o novo disco vai agradar aos fãs daquela Pitty que estourou na MTV em meados desta década, a artista não sabe nem quer prever nada: "Não acredito que você possa fazer arte de uma maneira tão racional. Fazer arte pensando em que lugar ela tem que ocupar no imaginário das pessoas ou no mercado é publicidade, não é música."
Faixa A Faixa
8 OU 80: Demonstra os climas e as texturas procuradas pela cantora para o novo disco. Tem seu momento The Who no refrão e uma psicodelia a la Beatles no seu miolo. Sinos, uma linha de baixo e riffs de guitarra fortes fazem a colcha para Pitty falar de como é chato e necessário viver o mundo real.
ME ADORA: Emula nomes como Ronettes e todos os grupos vocais de negras que o produtor Phil Spector botava a mão na década de 60. "Não desonre o meu nome /Não espere eu ir embora para dizer que me adora, que me acha foda", grita Pitty para seus críticos. "A gente só dá valor para às coisas quando perde", fala.
FRACASSO: Mais bem-humorada, é o que a cantora chama de porção dançante no novo trabalho. Traz um pouco da disco do fim dos anos 70 com passagens que lembram a banda inglesa Muse. "O fracasso lhe subiu à cabeça", canta no refrão.
MEDO: É direta e tem o peso de canções como Teto de Vidro e Máscara, de seu primeiro álbum. O riff de guitarra é cortante e lembra bastante Led Zeppelin. Pitty cita Marcel Proust quando canta: "Só trememos por nós mesmo ou por aqueles que amamos." Sua voz ganha distorção e overdubs durante seus quase quatro minutos de porradaria.
Teto de vidro
"Existe muita desconfiança com o novo, mas eu já estava
?caceteada? com tudo que havia passado em Salvador. Tem
jornalista que só gosta de hype, jornalista que quer ser estrela.
Estou acostumada."
"Não acredito que você possa fazer arte de uma maneira tão racional. Fazer arte assim, pensando em que lugar ela tem que ocupar no imaginário das pessoas ou no mercado é publicidade, não é música."
Marco Bezzi
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