sábado, 3 de outubro de 2009

Para críticos de Olimpíada, Rio deveria ter outras prioridades

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A escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016 recebeu críticas de especialistas que consideram a realização do evento uma inversão de prioridades.

"O Brasil tem outras prioridades e carências sociais para serem resolvidas, como educação, saúde, esporte para todos, habitação", diz o advogado Alberto Murray Neto, ex-membro do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), árbitro do Tribunal Arbitral do Esporte, em Lausanne (Suíça), e um dos principais críticos da realização da Olimpíada no Rio.

O alto custo do evento, calculado em mais de R$ 25 bilhões, as carências na infraestrutura do Rio em áreas como transporte e habitação, a falta de políticas públicas para o esporte e o temor de que os investimentos não se revertam em benefícios mais duradouros para a população são alguns dos problemas apontados por críticos.

“Eu entendo a opção do governo brasileiro como meio de propaganda, de projetar uma imagem mais favorável do próprio Rio, das repercussões econômicas para o turismo. Mas o custo é muito elevado”, diz o economista Gustavo Zimmermann, professor de Economia do Setor Público da Unicamp.

Segurança

Zimmermann diz reconhecer os benefícios que os Jogos trarão em termos de projeção de auto-estima do Brasil, mas considera muito pouco frente aos gastos necessários.

“Os recursos são escassos, e o Rio tem outras prioridades. Por exemplo, o estabelecimento de um plano de segurança”, afirma.

A segurança é considerada um dos principais gargalos na estrutura do Rio para abrigar um evento como os Jogos Olímpicos.

O economista Daniel Motta, professor de Economia e Estratégia do Insper (ex-Ibmec/SP), cita o exemplo dos Jogos Pan-Americanos, realizados na cidade em 2007, como mostra de que é possível garantir a segurança de um evento de grande porte.

“Nos bastidores, sabemos que o Exército teve que atuar, a polícia teve um esforço concentrado. Mas não tivermos nenhum incidente com segurança”, afirma.

No entanto, segundo Zimmermann, a segurança durante os Jogos Olímpicos não será mantida depois do término do evento. “Não vai proteger o cidadão no dia-a-dia”, diz.

Infraestrutura

O presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ), Agostinho Guerreiro, diz ter torcido pela escolha do Rio e estar satisfeito com a vitória, mas afirma que a cidade não está preparada para os Jogos de 2016.

“É um problema que não começou agora, vem de mais de 20 anos de descaso com alguns setores importantes da cidade”, diz.

Guerreiro cita o setor de transportes, que diz considerar deficiente. “Houve um abandono na área de transportes, que privilegiou ônibus e vans em detrimento de metrôs e trens. É um sistema que, para a Olimpíada, somente funcionará se houver mudança radical”, afirma.

Outro setor deficiente apontado pelos especialistas ouvidos pela BBC Brasil é o de habitação e hotelaria.

“A rede hoteleira tem uma deficiência incrível de leitos”, diz o presidente do Crea-RJ. “Temos seis anos pela frente, acho que é possível. Mas teremos de tirar o atraso de mais de 20 anos de descaso na área habitacional, de abandono das favelas, do saneamento.”

Guerreiro afirma que o principal problema é a falta de recursos. No entanto, o presidente do Crea-RJ diz acreditar que a maioria dos investimentos realizados para os Jogos Olímpicos serão permanentes.

Benefícios temporários

O economista da Unicamp discorda dessa avaliação. Zimmermann afirma que a maior parte das obras e melhorias serão temporárias e trarão benefícios apenas durante o evento.

Zimmermann cita o caso de várias instalações esportivas construídas para os Jogos Pan-Americanos, que não são utilizadas atualmente.

O Brasil tem outras prioridades e carências sociais para serem resolvidas, como educação, saúde, esporte para todos, habitação.

Alberto Murray Neto, ex-membro do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e árbitro do Tribunal Arbitral do Esporte, em Lausanne

O professor da Unicamp cita ainda a poluição da Baía de Guanabara, onde serão realizadas provas de iatismo. “Por que não despoluir para o cidadão comum? Vamos despoluir temporariamente para provas de vela?”

Alguns defensores da realização dos Jogos no Brasil afirmam que certos investimentos, como a capacitação de mão-de-obra, permanecem depois de encerrado o evento. Zimmermann, porém, diz não concordar com essa avaliação.

“Pode acontecer, mas não vi acontecer nos Jogos Pan-Americanos. Faz parte exatamente da incrível incompetência das nossas autoridades esportivas em fazer políticas públicas que ampliem a participação”, afirma Zimmermann.

Exemplo

Segundo Murray, o Brasil deveria aprender com os erros cometidos durante os Jogos Pan-Americanos.

"Chegou o momento de a gente olhar os erros do Pan e garantir que não se repitam", diz. "O Rio precisa de resgate social. No Pan, nenhuma obra de infra-estrutura foi feita. O grande legado foi o superfaturamento de obras."

O advogado afirma que, como a escolha da cidade já foi decidida, o melhor agora é garantir que todos os gastos sejam feitos de forma transparente.

"Amanhã mesmo, o Comitê Olímpico e o governo deveriam criar um site para escancarar as contas desses Jogos", diz.

Esporte

De acordo com Murray, as obras precisam estar atreladas a um programa de recuperação social do Rio, e os governos deveriam aproveitar o momento para criar uma política de esporte de longo prazo.

"É preciso fazer escolinhas, criar uma mentalidade olímpica, criar um marco regulatório para o esporte", afirma o advogado.

O economista da Unicamp também critica o que considera a falta de políticas para o esporte no Brasil.

“Temos uma tremenda concentração de atletas, que são preparados normalmente por organizações privadas, concentrados na Região Sudeste. Mas falta uma política pública para preparar atletas das outras unidades da Federação”, diz Zimmermann.

“Se for para fazer a Olimpíada e ter todas essas iniciativas, seria absolutamente saudável. Mas não vi e não vejo nenhuma declaração de dirigentes no sentido de alterar as políticas públicas”, afirma.

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