sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Indústria de redação de discursos cresce nos EUA

0

Vinca LaFleur (divulgação)

Vinca LaFleur escreveu discursos para Bill Clinton e agora lidera a West Wing Writers

Por trás de muitas das emocionantes palavras de líderes como o presidente Barack Obama, executivos de grandes empresas e personalidades está uma crescente indústria de criadores de discursos.

Aqueles que não contam com seu próprio time, como Obama na Casa Branca, pagam, em média, US$ 10 mil por discurso (em torno de R$ 17,4 mil). Há casos em que um único texto pode valer até US$ 25 mil.

Os pagamentos refletem a rápida comercialização da arte do discurso, numa época em que a simples fala de um líder pode marcar para sempre a sua carreira e uma palavra dita por um executivo pode afundá-lo.

A West Wing Writers, empresa sediada em Washington e criada pelos escritores de discursos de Bill Clinton no período em que ele estava à frente da Presidência dos Estados Unidos, é uma das mais bem sucedidas da área.

Encabeçada por Vinca LaFleur, responsável por alguns dos mais brilhantes discursos de Clinton, a West Wing recebeu somente do primeiro-ministro britânico Gordon Brown mais de US$ 40 mil nos últimos anos.

A exemplo de outras empresas conhecidas na área, como as inglesas Bespoke e UK Speechwriters' Guild e a americana International Speechwriting Associates, a West Wing garante confidencialidade e não revela o nome de seus clientes, ou mesmo quanto eles pagam por cada trabalho.

Mas os detalhes dos pagamentos de Brown se tornaram públicos porque a empresa foi obrigada a revelar ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos o motivo de estar trabalhando para um agente de um país estrangeiro.

Antes disso, em 2006, Brown teve de informar pela primeira vez à Receita Federal britânica um pagamento feito à West Wing. Brown usou os serviços da companhia americana pela última vez em março deste ano e pagou mais de US$ 7 mil só para que a West Wing fizesse sugestões e revisasse seu discurso no Congresso americano.

Apesar da quantia ser considerada alta, valeu a pena. O primeiro-ministro foi aplaudido 19 vezes durante sua fala.

Nomes conhecidos

De acordo com Vinca LaFleur, a empresa trabalha com nomes conhecidos no mundo dos negócios, da filantropia, do entretenimento e da política.

Para ela, o período em que esteve com Clinton foi um privilégio.

"Quando você trabalha para uma pessoa daquele nível, você sempre escreve para múltiplas plateias. Qualquer coisa que o presidente disser será avaliado não apenas pelas pessoas que estão na sala com ele, mas pela imprensa e pelo mundo", disse à BBC Brasil.

"Escrever discurso para um presidente é um compromisso muito grande. As apostas são muito altas. Eu escrevia sobre política internacional e sabia que, muitas vezes, alterando uma palavra numa frase, poderia mudar a política ou pelo menos fazer as pessoas acreditarem que a política mudou."

Os discursos ganharam mais visibilidade nos últimos anos. Se tornaram muito mais profissionais e há cada vez mais empresas abrindo para comercializá-los.

Elias Wolfberg, redator de discursos

Ryan Clancy fez o caminho inverso de Vinca. Ele trabalhou com o time da West Wing e hoje é diretor de discursos do Departamento de Comércio dos Estados Unidos.

Na avaliação dele, "discursos são uma excelente ferramenta, que servem como uma peça central para ampliar estratégias de comunicação. Geralmente, as pessoas erram ao pensar que um discurso é apenas parte de um único evento. Se é feito da maneira correta, um bom texto pode ajudar, fixando a mensagem desejada por dias ou até semanas", disse Clancy à BBC Brasil.

Tanto Clancy, como Vinca, citam o discurso do presidente Obama na Convenção do Partido Democrata em 2004 como responsável por tê-lo projetado nacionalmente e um bom exemplo de como um texto bem feito pode mudar o rumo de uma carreira.

Obama chegou ao evento como um quase obscuro candidato ao Senado Federal pelo Estado de Illinois. Quando terminou seu discurso - considerado um dos melhores do século 21 -, 17 minutos depois, tinha capturado a atenção da nação e aberto o caminho para concorrer à Presidência.

Escrito por ele mesmo, com frases escolhidas a dedo durante várias semanas, o texto fez com que muitos analistas o comparassem a Martin Luther King Jr. e John F. Kennedy.

"Não há a América liberal e a América conservadora. Há os Estados Unidos da América. Não há a América negra e a América branca e a América latina e a América asiática. Há os Estados Unidos da América", disse ele num discurso que falou sobre sua história como parte da história americana.

Comercialização

"Os discursos ganharam mais visibilidade nos últimos anos. Se tornaram muito mais profissionais e há cada vez mais empresas abrindo para comercializá-los", disse à BBC Brasil Elias Wolfberg, advogado que abandonou o direito há três meses para dedicar-se exclusivamente a escrever discursos.

"Quando políticos falam em público, eles têm a oportunidade de mudar as pessoas e fazer com que elas tomem ação. Isso é muito poderoso e real."

De acordo com Clancy, todos os bons discursos têm alguns ingredientes em comum.

"O primeiro e o mais importante elemento é um pouco clichê, no entanto, verdadeiro: você precisa contar uma história", diz Clancy.

Obama durante campanha em Louisville, maio de 2008 (arquivo)

Discursos de campanha de Obama ficaram famosos

"Você pode ter todos os fatos e detalhes no mundo, mas nada disso irá importar se não for apresentado em uma história atrativa. Um dos meus colegas na West Wing tinha um ditado: as pessoas nem sempre lembrarão exatamente o que você disse num discurso, mas elas lembrarão como você fez eles se sentirem. E esta é certamente uma das forças do discurso do presidente Obama."

De acordo com ele, outro ingrediente importante é a simplicidade.

A experiente Vinca diz que "os princípios básicos de escrever um discurso são os mesmos tanto para quem trabalha no setor público como no privado". De acordo com ela, geralmente, o pagamento no setor público é mais baixo.

"Mas quem vai trabalhar para o governo quer ajudar a melhorar a vida das pessoas e estar engajado no processo político", afirmou.

"Para mim, foi um privilégio trabalhar para o governo e ajudar a encontrar as palavras certas para explicar a política e inspirar novas esperanças por paz. Não acredito que quem vá trabalhar no setor público esteja concentrado em quanto vai ganhar."

Se, por um lado, todas as empresas de discursos, garantem confidencialidade a seus clientes, por outro, ninguém se importa em apontar quem será a próxima estrela global na área. O nome de Jon Favreu, de 28 anos, é unânime entre os autores de discursos.

Ele é o mais jovem diretor de discursos na história da Casa Branca e foi ele quem escreveu a maioria dos esboços dos discursos de campanha de Obama. Como o próprio já falou um dia: é o leitor da mente do presidente.

0 comentários: