quarta-feira, 26 de maio de 2010

Consumidor quadruplica renda com crédito fácil.

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Antes era preciso conversar com o gerente, esperar dias pela análise de crédito e ainda correr o risco de ter o pedido negado. Com o cenário econômico favorável, tomar um empréstimo ficou tão fácil que nem é mais preciso ir ao banco.

Dados obtidos pela reportagem com os bancos e com correntistas mostram que, com os limites concedidos hoje, os clientes conseguem pelo menos quadruplicar sua renda nas cinco maiores instituições do país, considerando empréstimos no cheque especial, crédito pessoal e cartão de crédito.

A facilidade do empréstimo pré-aprovado, retirado diretamente no caixa eletrônico, vem aumentando o poder de compra do brasileiro e o consumo de bens duráveis, como TV, geladeira e máquina de lavar. Por outro lado, estimula as decisões por impulso e pode levar ao endividamento excessivo.

Nilton Pelegrino, diretor de empréstimos do Bradesco, compara a importância do crédito ao sangue para os seres humanos. `Se for dado um litro a mais, mata o cliente.`

Impulsionado por essa mola, o consumo das famílias cresceu pelo sexto ano seguido em 2009, quando ainda ajudou a amortecer a queda do PIB (Produto Interno Bruto) causada pela crise global. `Para a economia como um todo, é bom. Para o indivíduo, pode ser ou não`, afirma o educador financeiro Mauro Calil.

Na opinião do ex-diretor do Banco Central e economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio), Carlos Thadeu de Freitas, uma forma de fazer com que esse consumo seja feito de forma mais consciente é criar obstáculos.

`As crises mundiais mostram que é preciso haver algum constrangimento para tomar dinheiro emprestado`, afirma, referindo-se ao uso equivocado de linhas com juros altos que poderiam ser substituídas se o consumidor conhecesse melhor os produtos oferecidos.

Pesquisa da entidade com 17.800 consumidores em todo o país aponta que o percentual de famílias endividadas que usam o cartão de crédito como uma das formas de financiamento subiu de 69,8% em abril para 71,2% neste mês, contribuindo para a elevação da quantidade das inadimplentes (de 24,4% para 25,1%).

Esse tipo de empréstimo tem juros médios de 10,7% ao mês para quem cai na armadilha do pagamento mínimo, ante 2,4% do CDC, por exemplo.

Assim como Pelegrino, Rogério Estevão, superintendente de empréstimos pessoais do Santander, reitera a necessidade de ensinar os consumidores a tomarem crédito conscientemente, o que viabiliza o crescimento da carteira de forma sustentável, ou seja, sem elevação da inadimplência. `O aprendizado é nosso também`, diz Estevão.

Entre fevereiro de 2007 e de 2010, a concessão de crédito pessoal passou de R$ 83,4 bilhões para R$ 165,5 bilhões. No mesmo período, o número de brasileiros com dívidas acima de R$ 5.000 dobrou, atingindo 25,7 milhões, segundo o Banco Central --não há acompanhamento abaixo desse valor.

A inadimplência considerando atrasos acima de 90 dias, porém, permaneceu no mesmo nível (7,3%). Apesar da estabilidade, Luiz Rabi, da Serasa Experian, ressalta que os consumidores devem ficar atentos. Quem usa linhas `emergenciais` como crédito de longo prazo, afirma, `mais cedo ou mais tarde vai ficar inadimplente`. E resume assim a euforia com a oferta de crédito: `Aprecie com moderação.`

Solução X problema

A facilidade para tomar empréstimos alterou o orçamento da coordenadora financeira Cassia Bastos, 35, e da supervisora de recuperação de crédito Suelen da Silva, 21, de formas opostas.

`Já usei o crédito pré-aprovado várias vezes. Em uma emergência, você não tem de onde tirar o dinheiro`, conta Cassia. `Mas sempre dei um jeito de economizar e quitar as parcelas antes, porque isso barateia o empréstimo.`

Para Suelen, porém, o financiamento acabou gerando problemas sérios. `Peguei um empréstimo de R$ 1.200 para quitar dívidas em cartões de crédito. Não quitei nenhuma e ainda acabei com mais um débito`, diz ela, que perdeu o emprego logo depois.

Sem pagar as parcelas por um ano, Suelen acabou com uma dívida de R$ 5.000. `Eu não sabia que isso podia crescer tanto.` O débito acabou sendo renegociado e ficou em R$ 3.500, já quitados.

Para Suelen, quem se endivida em excesso é `culpado`, mas os bancos poderiam dar mais informações
`A conscientização do consumidor é dever de todos`, ressalta Roberto Pfeiffer, do Procon-SP.

Para Mauro Calil, `o acesso à informação ainda é limitado e existe pouco interesse do próprio tomador em se educar financeiramente`.

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