quarta-feira, 24 de junho de 2009

Banda larga clandestina substitui lan houses na periferia de SP

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Comerciantes compram sinal oficial e o ampliam para pontos mais distantes.
Clientes pagam antena e mensalidade para ter serviço em casa.

Centrais clandestinas que oferecem internet banda larga via rádio substituem as antigas lan houses e levam serviço a casas da periferia de São Paulo e de cidades do interior paulista onde os cabos das operadoras ainda não chegaram.

Um dos 12 fiscais que atuam em São Paulo para descobrir fraudes explicou ao G1 como funciona. O fraudador recebe o sinal banda larga oficial que chega por cabo (em local ainda alcançado pela rede) e paga pelo serviço como usuário comum. Ele estende o fio até um aparelho chamado roteador que redistribui o sinal de internet por antena - sendo a de retransmissão sempre instalada no ponto mais alto do bairro - para até 90 clientes. A empresa não consegue perceber que tem mais de um usuário pendurado na mesma linha, a não ser pela fiscalização visual.

Os equipamentos de emissão e recepção clandestina podem ser comprados por menos de R$ 500 em lojas da Rua Santa Ifigênia, no Centro da capital. Cada contratante paga em média R$ 200 pela instalação e mensalidades em torno de R$ 50.


"Acontece mais em áreas em que a empresa dona do sinal não atende", afirma o fiscal. Essas áreas, de acordo com ele, estão em bairros da periferia da Zona Sul de São Paulo, como Capão Redondo, Parelheiros e Grajaú. Ou na periferia de municípios do interior paulista, entre os quais, Campinas e Sorocaba.

Moradores do bairro Grajaú perderam na primeira semana de junho o acesso fornecido por três empresas que prestavam o serviço clandestino. A Polícia Civil descobriu a localização das antenas e prendeu quatro homens, liberados após prestar depoimento. Antenas, computadores e carnês de pagamentos foram apreendidos. Uma das empresas tinha mais de 50 clientes.


Recibos de pagamento por acesso à banda larga clandestina no Grajaú, na periferia de São Paulo (Foto: Roney Domingos/ G1)

A vendedora Vanilda Maria dos Santos, de 30 anos, pagava R$ 60 por mês ao intermediário para ter acesso. Ela conta que agora terá de recorrer à internet discada. "Eu uso a internet como meio de trabalho, para vender pisos. Nesta semana, estou sem fazer nada, porque perdi o acesso", afirmou.


Vanilda conta que antes da banda larga via rádio usava a lan house do bairro. "Eu tinha internet discada, mas era uma porcaria. Muitas vezes tinha que ir à lan house para fazer o serviço. Aí comecei a utilizar essa internet. Pagava cerca de R$ 60 mensais. Acessava todo dia e toda hora, das 7h às 21h."

Foto: Roney Domingos/ G1

Equipamento apreendido durante blitz da Polícia Civil contra central clandestina no Grajaú, Zona Sul de São Paulo (Foto: Roney Domingos/ G1)

Uma rede via rádio funciona no bairro Pedreira, também no extremo Sul da capital. Ao acessar a página, o internauta é convidado a se cadastrar no serviço, com direito a três meses grátis. As assinaturas variam de R$ 15 a R$ 30 para pacotes com velocidade de 56 Kbps a 300 Kbps. Um ex-cliente da rede, que pediu para não ser identificado, afirma que pagou pelo serviço, mas não recebeu. "Aqui não temos opção, porque o serviço da Telefônica não chega, a não ser a linha discada", afirmou.


A estudante Juliana Oliveira, moradora também do Grajaú, afirma que faz seu curso superior de enfermagem à distância pela internet e nem sabia que a banda larga clandestina era ilegal. Ela afirma que não pode depender de lan houses, que têm horário restrito. "Agora ficou complicado porque perdi uma aula. Fiquei sem alternativa e vou ter que recorrer à internet discada para não perder a faculdade." Juliana conta que seu provedor de sinal nem trabalhava com carnê. "Eu ia à lan house, efetuava o pagamento e ele me dava o comprovante."

Lei virtual

Os donos das centrais clandestinas foram soltos após assinar termos circunstanciados e vão responder a processos que podem resultar em pena de reclusão de dois a quatro anos. Donos de lan houses e locadoras de vídeo, eles disseram ao G1 que nem sabiam estar cometendo crimes.


A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) afirma que nos primeiros cinco meses deste ano recebeu 727 denúncias contra "gatos de banda larga", operação chamada tecnicamente de prestação clandestina de serviço de comunicação multimídia (SCM). O número de denúncias aumenta a cada ano. Foram 200 em 2006, 955 em 2007 e 1,6 mil em 2008.

A Anatel diz que a Lei Geral de Telecomunicações (9.472 / 1997) considera clandestina a atividade desenvolvida sem concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofrequência e de exploração de satélite.

De acordo com a Anatel, a lei estabelece que o desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicações é sujeito a pena de detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10 mil.

Estão sujeitos à mesma penalidade quem direta ou indiretamente participar do crime e cabe ao Ministério Público promover a ação pública penal prevista nesta Lei.

Especialista em direito eletrônico, o advogado Renato Opice Blum afirma que por enquanto são conhecidas apenas duas autuações policiais por este tipo de crime no Brasil, em São Paulo e no Rio de Janeiro. "A tendência é aumentar porque as novas tecnologias colocam mais conexões à disposição", afirmou.


O presidente da Associação Brasileira dos Usuários de Banda Larga (Abusar), Horácio Belfort, defende a formalização das empresas que fornecem o acesso via rádio. "Os obstáculos são exigências descabidas da Anatel. Para atender 10 pessoas, um provedor de rádio tem de fazer a mesma documentação de uma grande empresa, pagar cerca de R$ 9 mil pela licença SCM e R$ 1,3 mil pela licença da estação, além de contratar engenheiro registrado pelo Crea, pagando pelo menos dois salários mínimos", afirmou.


Com renda familiar de R$ 2,5 mil, a estudante de enfermagem Maria Aparecida Vitória comprou um computador de última geração equipado com Windows Vista e financiado em seis vezes. O acesso à internet banda larga via rádio era fornecido por uma das três empresas que foram desmontadas pela Polícia Civil.

Fora do ar

"O sinal que eu tinha era maravilhoso. Além de ele não cair eu conseguia baixar arquivos. Eu sou universitária e usava a internet para estudar. Na semana passada, nem tive condição de entregar um trabalho de escola. As crianças também usavam para estudar. Agora está todo mundo desconectado", disse a estudante.

Ela afirma que fez contato com a companhia telefônica na semana passada. "Eles disseram que não têm sinal e que o único jeito é internet discada. A única coisa que posso fazer é sair do bairro." Outra solução, de acordo com Vitória, é buscas a lan house que fica a cinco casas da sua. "Hoje passei de ônibus e percebi que tem mais lan houses abertas. "

O advogado Opice Blum também observa que, para além da tecnologia 3G já disponível, as periferias das grandes cidades deverão poder utilizar nos próximos meses com a tecnologia WiMax, que permite acesso à internet banda larga em um raio de 50 km.

Especialista em TV Digital, doutor em Direito pela USP e autor do livro "Televisão Digital e Comunicação Social: aspectos regulatórios", o advogado Ericson Meister Scorsim afirma que a legislação está ultrapassada.

"Na prática a legislação já foi atropelada pela tecnologia. Precisamos discutir se internet deve ser um serviço público ou privado e se poder público tem obrigação de universalizar esse serviço ou não. Precisamos de um modelo regulatório mais dinâmico, que respeite a dinâmica do mercado", afirmou.

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